O hálito frio do rugido marinho chega até o topo do Morro do Farol. O céu límpido do inverno litorâneo gaúcho dá à imensidão celeste estrelada uma grandeza ainda maior.
Passos na areia teimam em sobreviver ao alcance das ondas que se esticam na praia a persegui-los, iluminados pela simbiose entre o clarão da lua e o das luzes humanamente planejadas. Vistos dali, os morros são sombras delineadas. Pessoas caminham, encantadas, alheias à temperatura muito baixa aguçada pelo açoite do vento.
Torres, à noite, no inverno, como um texto repleto de crases, parece ainda mais bela e rara, observada através das aberturas envidraçadas de seus restaurantes da orla atlântica ou da margem do Mampituba, por olhos levemente alcoolizados, embebidos daquele barato bom e gostoso que o vinho e a cerveja de qualidade proporcionam, sem ressaca - etílica ou marinha. É poesia, implorando para virar poema via mãos comandadas por inspirados cérebros literários.
Já pararam brevemente sobre a Ponte Pênsil e dirigiram o olhar adiante, buscando o horizonte escuro pelo Mampituba, até o Atlântico, numa madrugada de São João? Eu já. É lindo. É revelador do portento e da força da natureza. Torres e o inverno. Torres, no inverno. Dá pra ligar o ar condicionado no quarto panorâmico do Hotel Farol e observar o espetáculo: Atlântico, Farol, Ilha dos Lobos, estrelas e vento, em concluio. Enquanto isso, a luz distante, pequena, vacilante e frágil do pesqueiro dá testemunho da bravura humana.
Terminado o verão e após o Balonismo, Torres é dos seres invernais, que para lá migram em busca de natureza, aventura e beleza em tons dissonantes. Ir na padaria Horebe tomar café na madrugada, passar pela ponte da Lagoa do Violão. A praia Grande se torna vastidão.
Já foram olhar as ondas na ponta dos Molhes, numa noite dessas? Desceram até embaixo no Morro do Meio? Subiram a Guarita? Eu, ainda, não.
Torres, no inverno, é habitat de outro tipo de fauna humana, aquela que aprecia fantasias rigorosas e emoções extremas, ambas, todavia, seguras.