João Adolfo Guerreiro
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Textos

A múmia comunista

 

Nada mais nada a ver com a ideologia comunista do que qualquer forma de culto, seja ele religioso, cultural ou, mesmo e principalmente, político. Um dos grandes líderes da extinta União Soviética (1922 - 1991), Josef Stalin (1878 - 1953), foi muito criticado por outras vertentes de esquerda, principalmente por aquelas ligadas ao pensamento de seu inimigo Leon Trotsky (1879 - 1940), por estimular o culto à sua personalidade e, também, o comunismo em um só pais, ao contrário da revolução permanente que deveria espalhar o poder proletário para todo o planeta. Entretanto, tal culto foi além do inimaginável para os revolucionários russos.

 

De fato, o grande líder da Revolução Russa de outubro de 1917 foi o revolucionário bolchevique Vladimir Lenin (1870 - 1924). Marxista, seu pensamento político fez par com sua liderança, tanto que o chamado "marxismo-leninismo" era a doutrina oficial da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. Lenin era O cara para os soviéticos, com ninguém acima, todos abaixo dele. Em 21 de janeiro de 1924, após quatro derrames, faleceu. Tamanha foi a comoção popular que o governo soviético pediu a seus médicos que conservassem o corpo por uns seis dias, a fim de que desse tempo da multidão se despedir do mesmo na Praça Vermelha, em Moscou, mesmo ao rigor do extremo frio do inverno russo. Só que era muita gente e o prazo teve de ser esticado. Então Stalin teve uma ideia: embalsamar o corpo de Lenin e deixá-lo por tempo indeterminado num mausoléu aberto à visitação pública.

 

Lenin, claro, nunca teria concordado com isso, pois, além de ser um materialista histórico e dialético, adepto do marxismo científico, pensamento que propõe ser a realidade um processo dialético contínuo de mudanças, avesso à misticismos e superstições, desejava simplesmente ser enterrado com sua mãe e irmão - que morrera jovem, executado pelo regime czarista por terrorismo. Sua viúva, a revolucionária Nadejda Krupskaia (1869 - 1939), foi contrária à ideia, mas o corpo de Lenin servia agora aos interesses e necessidades politicas do regime soviético e pronto. E, assim, Lenin, por paradoxal que pareça, virou uma múmia comunista que, no dia 21 passado, completou cem anos, exposta num sarcófago de vidro blindado à temperatura permanente de 16º centígrados. Por um tempo, Krupskaia, mesmo contrariada, ia ao mausoléu ver o corpo do falecido, mas depois cessou as visitas, afirmando, além das objeções acima, que ele parecia cada vez mais novo e ela cada vez mais velha.

 

São 12 profissionais, num grupo científico multidisciplinar, que cuidam da preservação da múmia, digo, de Lenin. Duas vezes por semana as condições do corpo são avaliadas e, a cada 18 meses, é mergulhado num líquido que o mantém conservado. A cada três anos "Lenin" recebe um paletó novo. Em março de 1953, como nada (além das múmias) é eterno, Stalin morre e seu corpo igualmente é embalsamado e colocado junto a Lenin no mausoléu. Entretanto, em 1961, após o revisionismo crítico dos crimes do regime stalinista realizado pelos novos dirigentes do Partido Comunista Russo, esse é retirado e enterrado. Agora, sim, tudo a ver, pois pelo menos isso Lenin aprovaria, eis que, antes de morrer, intentava enfraquecer o poder de Stalin, a quem não julgava um líder em condições de ser seu herdeiro político e conduzir a URSS.

 

O tempo passou, a URSS terminou há 33 anos, mas a múmia continua por lá, assombrando o atual líder instalado no Kremlin, Vladimir Putin. Um pouco antes de invadir a Ucrânia, um dos argumentos que utilizou é o de que o país nem existia antes do legado de Lenin lhe conceder o status de República Socialista na URSS. O curioso é que, se a múmia "sobrevieu" ao comunismo, instalada na Praça Vermelha, já na Ucrânia, após o Euromaidan (2013 - 14), na esteira da perseguição perpetrada contra o comunismo e os comunistas, todas as estátuas de Lenin foram colocadas abaixo. Pode ser que, por ser um revolucionário totalmente contra qualquer forma de culto ou idolatria, Lenin tivesse gostado disso.

 

Agora, para o seu horror ideológico, é parça dos faraós na História, este que foi um revolucionário que derrubou a realeza russa e era contra os impérios monárquicos. Quem diria, né? Só a nossa vida, em parte, nos pertence.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 30/01/2024
Alterado em 30/01/2024
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