João Adolfo Guerreiro
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Bicentenário: o quadro

 

Na quarta-feira, dia 7, comemoraremos os duzentos anos da Independência do Brasil. Uma grande data, importantíssima, que merecia muito mais ênfase do que está tendo, exígua por culpa desta infame campanha eleitoral polarizada, onde a efeméride é vítima de uso politiqueiro e eleitoreiro, com alguns tendo o desplante de o fazer sob o tolo slogan "uma nova independência", ou coisa que valha. É profundamente lamentável que tal barbaridade ocorra. Nem sempre foi assim...

 

Em 1872 o cinquentenário foi comemorado com uma grande festa, onde o imperador Dom Pedro II fez lembrar o Grito do Ipiranga dado por seu pai, Pedro I. No centenário, em 1922, já sendo o Brasil uma República, foi organizada a Exposição Internacional do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, vista por cerca de três milhões de pessoas. Em 1972, durante a Ditadura Militar, tivemos o badalado sesquicentenário - desse eu me lembro um pouco -, comemorado como uma grande festa cívico-militar, com destaque para a Taça Independência, que reuniu seleções de futebol de vinte países e após um mês, na final, o Brasil venceu Portugal.

 

Em 1872 não existia o quadro acima, pintado pelo baita artista Pedro Américo entre 1886 e 1888 na Itália, representando o momento do famoso "brado retumbante" ante as "margens plácidas" do riacho paulista: " - Independência ou morte!" Só que não, pois a bela e imensa pintura, executada mais de 60 anos após o fato, é fake das patas (dos cavalos inexistentes) à cabeça (do imperador existente).

 

Pedro I viajava acompanhado por uma pequena comitiva sobre mulas por São Paulo, já havia "conhecido" (no sentido bíblico da palavra) a famosa Domitila Canto pelo caminho e estava com uma bruta diarreia, usando o pequeno riacho de três quilômetros de comprimento como latrina real, a fim de "se dobrar aos desígnios da natureza", conforme relataram os cronistas que o seguiam. Usavam roupas comuns, adequadas para a marcha, não os garbosos uniformes retratados pelo talentoso pintor. O fato é que realmente recebeu a correspondência da esposa Leopoldina, leu e deu o histórico grito que nos deixou livres do domínio de Portugal.

 

Américo, tal qual um Nelson Rubens de antanho, aumentou, mas não inventou - aliás, igualmente inspirou-se na tela 1807, Friedland (de 1875, imagem abaixo), do francês Ernest Meissonier. Por outro lado, podemos dizer que fazia então como o cineasta Baz Luhrmann faz hoje em seus filmes, ou seja, submete a veracidade à estética - seu recente filme Elvis é exemplo disso, com suas adaptações e invenções sobre a biografia do cantor.

 

Todavia, por mais fake que o quadro de Pedro Américo seja - e é, no sentido da exatidão histórica - simbolizando o feito-mor pátrio de seu xará da realeza, não se compara ao que pretende se fazer no próximo dia 7, pois é uma representação artística livre, não uma apropriação ideológica oportunista. O Bicentenário da Independência do Brasil merecia mais, mas bah, muito mais do que essa profanação aviltante do patriotismo e da história nacional.

 

 

Bibliografia:

BUENO, Eduardo. Dicionário da Independência: 200 anos em 200 verbetes. Porto Alegre: Editora Piu, 2020.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. A Batalha do Avaí - A beleza da barbárie: a Guerra do Paraguai pintada por Pedro Américo. Rio de Janeiro: Sextante, 2013

 

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 05/09/2022
Alterado em 05/09/2022
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