Bukowski, os gatos e eu
Charles Bukowski (1920 - 1993) gostava de gatos e eu gosto de gatos e de Bukowski: convivemos bem, nós três. Ah, nós cinco, não posso esquecer do vinho tinto e da cerveja.
- Opa, seis! Esqueceu de mim? - cobrou o café-preto.
- Tudo ok, seis - assenti. Mas os demais aí na geladeira nem se atrevam a abrir a boca!
Seis está de bom tamanho. Que nem no romance de Maria José Dupré, que Bukowski jamais leu - tampouco viu a novela (as duas, contando o remake).
Seis é um bom número. Bukowski chegou a ter nove ao final da vida, em sua casa em Los Angeles, onde morava a esposa Linda Lee, uns vinte anos mais jovem e, também ela, uma gata, de olhos azuis como a aí de cima, a Dione. Essa é semi-minha, batizei-a em homenagem a uma tia, que não possui olhos azuis, mas que também é uma gata. E perfumada como só ela. Escrevo semi por que na verdade ela mora na vizinha e vem duas vezes por dia filar ração em cima do muro, a linda. Não desce pro meu pátio, onde outras três, essas sim, 100% minhas, habitam. Uma preta, uma cálica e uma cinza. Então, tecnicamente, possuo três gatas. A Dione e outros quatro bichanos que só vem comer no muro não conto como meus.
Os gatos de Bukowski apareciam na sua casa e ele os ia adotando. Escreveu muito sobre bichanos, o que podemos conferir em Sobre Gatos, compilação publicada pela L&PM em 2017. Já falei dela em setembro de 2019 aqui no Portal. Nunca é demais, assim como cerveja, vinho, café e gatos. Os cinco muristas são como os gatos adotados de Bukowski. Datilografou o poeta-cronista-contista germano-estadunidense: "Não gosto do amor como ordem, como busca. Ele precisa chegar até você, como um gato faminto na porta". Ou: "O amor são os gatos esmagados do universo".
Bukowski era do tempo da máquina de datilografia. Nos anos 1990, ao final da vida, comprou um PC e escrevia nele, até seu gato urinar no computador. O poeta adorou, pois estava a fim mesmo de retomar seus velhos hábitos: "Tragédia? / o gato borrifou meu / computador / e deu cabo / dele. // agora voltei para minha / velha / datilográfica. // ela é simplesmente / mais durona. / aguenta / mijo de gato, cerveja e vinho / derramados, / cinzas de cigarro / e charuto. / praticamente qualquer / porcaria. // me faz lembrar / eu mesmo." Por esse mesmo tipo de coisa não gosto dos gatos na biblioteca, para eles não batizarem e perfumarem meus livros e computador. Assim, só comungo com Bukowski a música erudita ao escrever. Ele era o rádio e os discos, eu só escuto a Rádio da Universidade.
Como eu disse, ele abrigava nove felinos: "Temos agora nove gatos. Os desgarrados vão chegando e não conseguimos rechaçá-los. Precisamos parar. Os malditos gatos me colocam de pé cedo da manhã para deixá-los sair de casa. Se eu não deixo, começam a estraçalhar a mobília. Mas são animais maravilhosos e belos. Bacana." Admirava a vida que os felinos levavam, sua independência, praticidade, pragmatismo e simplicidade diante da vida: "Avancei pela entrada da garagem. Os gatos estavam esparramados em volta, detonados. Na minha próxima vida quero ser um gato. Dormir vinte horas por dia e esperar que me alimentem. Só ficar atirado, lambendo a minha bunda. Os humanos são infelizes e raivosos e bitolados demais".
Era o que eu tinha pra dizer numa crônica de segunda-feira. Dione & Cia estão miando em cima do muro. Calma, meus donos, já vou.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 31/05/2021
Alterado em 31/05/2021