João Adolfo Guerreiro
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Textos

O Capitão Negro

Queria ter conhecido o senhor Osvaldo Marques de Souza, mas isso só foi possível postumamente, esse ano, ao ler sua autobiografia, que encontrei numa estante do espaço gastronômico e cultural Tempero Literário: “De São Jerônimo à Itália – Memórias do Capitão Osvaldo”, Rudney Santos (organizador), editora Cidadela, 2015.

Escritas em 1998 e atualizadas em 2005, as memórias do capitão do Exército nascido em Arroio dos Ratos (22.02.1922) e falecido em São Jerônimo (11.07.2011) mostram, como Santos salienta no prefácio, que ele não veio a esse mundo a passeio. De infância pobre, órfão de mãe aos 10 anos, foi funcionário da prefeitura de São Jerônimo, pracinha da IIª Guerra Mundial e colaborador por 32 anos dos jornais Correio do Povo (desde 1966), Folha da Manhã (1974) e Zero Hora (1981).

Atuante no meio religioso, seja no kardecismo, quando, como militar, residiu no Rio de Janeiro, ou no catolicismo, ao retornar à “Cidade do Silêncio e da Ternura” (como se referia a São Jerônimo). Foi profundamente influenciado pelo filósofo espiritualista Pietro Ubaldi (1886 – 1972), autor, dentre inúmeras obras, de “A Grande Síntese” (1932), com o qual manteve correspondência. Inclusive passou a assinar seus textos e cartas como Abidul Servus Christi, sendo “Abidul” uma reescrita do sobrenome do pensador italiano.

Dentre as passagens interessantes da vida do Capitão Osvaldo, está sua presença nos jogos da Copa do Mundo de 1950, no Rio de Janeiro: Brasil 6x1 Espanha, testemunhando a torcida brasileira cantar “Touradas em Madri” (Braguinha); e Brasil 1x2 Uruguai, a final, que ficou conhecida como “Maracanaço”.

Contudo, seu grande combate foi contra o racismo. Em 1965, na cidade de Taquari, denunciou duas entidades às autoridades: o Clube Alvi-Negro (!?), no qual sua filha foi impedida de entrar; e o CTG Pelego Branco, em cuja portaria havia uma placa com o aviso “É expressamente proibida a entrada de morenos nesse recinto”. Ironicamente, o soldado que combatera o racismo ariano nazista na Europa agora lutava contra o preconceito racial em sua pátria. O fato repercutiu na Assembléia Legislativa, onde o deputado Carlos Santana o abordou na tribuna, e na imprensa estadual.

De volta a São Jerônimo, inspirado pelo pensamento de Ubaldi e pelos exemplos de Martin Luther King e Gandhi, cada vez mais convicto de sua missão como instrumento na defesa da igualdade racial, solicitou admissão ao Clube do Comércio em maio de 1968. Mesmo cumprindo os requisitos estatutários e tendo seu pedido subscrito pelos sócios Zeno Schwengber e Jayr Silva, não foi aceito.

Em 1975, endossado pelos mesmos signatários, reapresenta a solicitação e, desta vez, é aprovada sua entrada no quadro social, ainda assim somente em junho de 1976, quando assumiu uma nova diretoria, composta por Luiz Picarelli (presidente), Pedro Andrade (vice), Jorge Chiká (secretário), Jorge Lago (tesoureiro) e Waldir Matte (diretor social). Isso tudo há apenas 40, 50 anos...

Realmente, um grande personagem o Capitão Osvaldo. Parafraseando a famosa canção de João Bosco e Aldir Blanc: Salve o capitão negro, que tem por monumento, a luta pela igualdade racial.


Texto publicado no Jornal Portal de Notícias, versões online e impressa: http://www.portaldenoticias.com.br
 
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 17/11/2016
Alterado em 17/11/2016
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