João Adolfo Guerreiro
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"Nota: A imagem acima é um detalhe da adaptação do livro para os quadrinhos de Peter Kuper". Fontehttp://lounge.obviousmag.org/o_limiar_da_lucidez/2012/05/a-metamorfose-de-gregor-samsa.html

A Metamorfose: O Homem-Barata

“Certa manhã, após um sono conturbado, Gregor Samsa acordou e viu-se em sua cama transformado num inseto monstruoso. Deitado de costas sobre a própria carapaça, ergueu a cabeça e enxergou seu ventre escurecido, acentuadamente turvo, com profundas saliências onduladas, sobre o qual a colcha deslizava, prestes a cair. Suas inumeráveis pernas, terrivelmente finas se comparadas ao volume do corpo, agitavam-se pateticamente diante de seus olhos.

- O que aconteceu comigo – perguntou-se. Não era sonho...”

O livro A Metamorfose, de Franz Kafka, narra, em pouco mais de 60 páginas, a história de um homem que, como vimos acima, acordou certa manhã e teve uma terrível surpresa. Entretanto, o livro de Kafka não é uma história de terror, é um drama. E a situação do homem é claramente uma metáfora que visa refletir sobre a condição humana, sobre a família e sobre o amor, entrelaçados num mesmo contexto. O Homem-Barata poderia ser um velho em idade avançada, um inválido, um doente degenerativo, por exemplo.

As obras de Kafka não tiveram êxito durante a sua vida, mas posteriormente lhe colocaram como um dos escritores mais lidos e influentes da literatura ocidental. Por outro lado, morreu cedo, tuberculoso, aos 40 anos, em 03 de junho de 1924, há exatos 90 anos. A Metamorfose foi escrita nos últimos meses de 1912 e publicada em outubro de 1915, primeiramente numa revista.

A reflexão proposta por A Metamorfose é pessimista: o ser humano é cruelmente prático e, o amor, circunstancial. A reação de Gregor e de sua família ao fato é descrita no texto em termos de sofrimento e adaptação, nunca de horror e estupor, como seria de se esperar. O primeiro, mais preocupado em como voltar a exercer a profissão de caixeiro viajante para continuar a sustentar a família; os segundos, passam a pensar na manutenção do lar e em como lidar com o membro da família, agora, incapacitado.

No primeiro capítulo o livro chega a ter momentos engraçados, tragicômicos, mas a medida em que se desenvolve, o abandono e a solidão do personagem principal, que escuta e entende tudo o que acontece à sua volta, sem que possa se comunicar, vão se tornando cada vez mais agudas. É um livro triste, mas que fala muito sobre o que é a vida. No meu ponto de vista, muito próximo ao que é mostrado no filme Amor, de Michael Haneke, que esteve em cartaz nos cinemas em 2013.

A metamorfose é um livro seco, curto, objetivo. Fácil de ler, mas perturbador para quem já conhece um pouco do que é esta vida. Nem todo o ser humano e nem toda a família é como a descrita no livro, mas pensar sobre isso nos leva a uma salutar reflexão sobre o quanto somos sensíveis ou insensíveis ao outro, quando este está em situação de extrema vulnerabilidade.

“'E agora', perguntou-se Gregor, olhando a escuridão à sua volta. Logo percebeu que não podia mais se mexer. Isso, porém, não o surpreendeu, pois caminhar com aquelas perninhas lhe parecia, agora, pouco natural. Sentia-se também relativamente confortável. É verdade que o corpo doía, mas teve a impressão de que pouco a pouco as dores iriam atenuar-se e acabariam por desaparecer. (…) Pensava com carinho e emoção na sua família. Tanto quanto era possível, pensava, ainda mais firmemente do que a irmã, que era necessário ir embora. E assim, nesse estado de meditação e insensibilidade, permaneceu até o relógio da torre da igreja bater três horas da madrugada. Olhando pela janela, ainda pôde contemplar o raiar do dia que despontava.. Depois, embora ele relutasse, a cabeça tombou por completo e a boca emitia um último suspiro.”
 



Texto publicado em 03 de junho de 2014 na seção de Opinião do jornal Portal de Notíciashttp://www.portaldenoticias.com.br
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 09/06/2014
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